Ilustração de Nina Schindlinger |
Lord of the flies ou O Senhor das Moscas é uma novela distópica e selvagem, escrita pelo britânico William Golding (1911-1993) e publicada em 1954, às sombras das memórias da Segunda Guerra Mundial, a mesma que o autor serviu em 1941.
O romance apresenta-se como uma distopia que pode soar infantojuvenil, pela faixa etária dos personagens - crianças -, mas no decorrer da trama, é revelada a brutalidade presente em um romance dito adulto. O cenário político da narrativa é de um Estado em guerra nuclear, e os meninos, por sorte ou azar, após a queda do avião que os levava, se salvaram de uma bomba atômica.
Inicialmente, temos uma organização democrática, em que regras são criadas em prol da harmonia e sobrevivência do grupo. Os meninos ensaiam uma sociedade sem adultos, criando regras e responsabilidades, sendo crianças cuidando de crianças, sabendo que sem lei, não há ordem.
— Não há adultos?— Não.Merridew sentou-se num tronco e olhou em volta.— Então teremos de cuidar de nós mesmos.
Concha, fogo e carne
Matem o bicho! Cortem a garganta! Tirem o sangue!A tribo estava dançando. Em alguma parte do outro lado dessa muralha de pedra, havia um círculo escuro, uma fogueira brilhante e carne. Estavam saboreando a comida e o conforto da segurança.
Meninos com fome ou o chamado selvagem
Mas no decorrer da trama, à medida que a anarquia reina entre o grupo, a concha já não fará mais sentido, todos falam, mas uns falam mais que outros. Já o fogo torna-se motivo de discussão, em que determinado momento os meninos ateiam fogo na ilha. Já a carne, torna-se símbolo de brutalidade, que renasce o homem selvagem e inicia a luta dos mais fortes. A carne também é o ápice da selvageria, clímax do livro.
Os pequenos começaram a correr, gritando. Jack pulou na areia.— A dança! Vamos! Dancem!Correu, tropeçando pela areia funda até o espaço de pedra além da fogueira. Entre os raios, o ar estava escuro e terrível; os meninos seguiram-no aos gritos. Roger tornou-se o porco, guinchando e investindo contra Jack, que se desviou. Os caçadores pegaram as lanças, os cozinheiros seguraram seus espetos e os outros, pedaços de lenha. Começou o canto e um movimento de cerco. Enquanto Roger imitava o terror do porco, os pequenos corriam e saltavam fora do círculo.
Alegoricamente, o fogo denuncia os medos mas também as esperanças da humanidade sobre a era nuclear: a energia atômica criaria energia limpa e ilimitada ou extinguiria toda a vida no planeta? Os meninos atearam fogo em sua ilha paradisíaca, enquanto os mais velhos e superiores quase destruíram o planeta.¹
Considerando o contexto de produção e publicação, O Senhor das Moscas é fruto de uma inspiração e experiência bélica, que no cerne da guerra há a luta do homem contra o homem, vítima da "terrível doença do ser humano"² - este o ponto principal da narrativa. Em entrevista, Golding disse que seu romance é sobre a importância do Estado de Direito e sobre a complexidade dos seres humanos. Nesta obra, vemos como uma sociedade desregrada pode vir a ser deturpada pelos instintos do homem, fazendo-nos questionar o quão livre (e felizes) seríamos se vivêssemos em um estado sem lei nem ordem. Mas também, o quanto estamos refém de um estado que investe na guerra do homem contra o homem.
Colocando meninos como homens, Golding não faz nada mais que a guerra fez e faz, homens contra homens, seus arranjos de sobrevivência e poder, ultrapassando o limite do civilizatório.
GOLDING, William. O senhor das moscas. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2011.
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