quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O direito de deitar na grama

 


Deitar na grama carrega em si a essência da preguiça e da liberdade. Não vagabundeei o suficiente, mas o pouco que experimentei foi suficiente para perceber que deitar — seja na grama, no ponto de ônibus, no banco da rodoviária, no parque ou em qualquer espaço minimamente confortável e aparentemente seguro, exige audácia, especialmente quando você é mulher.

O conto Moça deitada na grama, pois assim o interpreto, muito mais que crônica, que dá título ao livro de Carlos Drummond de Andrade, apresenta uma heroína urbana movida pela vontade e satisfação de ser o que bem deseja naquela tarde. Um ato simplório, mas implorável de se repetir, no patriarcado que se sobressai até hoje: uma mulher sozinha deitar na grama ou, simplesmente, o encontro do corpo com a tranqüilidade, fruída em estado de pureza.

sábado, 9 de novembro de 2024

Torto Arado: sobre mulheres fortes

É um livro sobre mulheres fortes. Foi o que Carla disse quando me sugeriu Torto Arado (2019) de Itamar Vieira Junior. E sobre ser uma mulher forte, eu acredito no meu potencial destrutivo e regenerativo em 28 anos de vida.

A cena da faca ainda permanece na minha mente, talvez a mais forte da Literatura  (sim, com L maiúsculo),  superando até mesmo o salto de Anna Karenina sob a plataforma de trem.

Torto Arado é a vida sofrida em sua amálgama de terra, fome, excesso de patriarcado, sangue e traumas. Transita entre coragem e medo, entre sobreviver e fazer valer o que bate dentro de nós - mulheres ou homens. Mas, principalmente: mulheres.


Cada mulher sabe a força da natureza que abriga na torrente que flui de sua vida.


terça-feira, 5 de novembro de 2024

O campo e a cidade, A Cidade e as Serras

 Li A Cidade e as Serras durante minha viagem ao Sul de Minas em junho, mais especificamente à sombra do limoeiro no Vale do Matutu, comunidade em Aiuruoca. Entre as montanhas, abri, pela primeira vez ao que me recordo, um livro de Eça de Queirós, escritor de Póvoa do Varzim, Portugal.

A Cidade e as Serras, que data 1900, possui um tom muito critico e reflexivo à modernidade que vai se moldando na virada do século. Um jovem típico da cidade chamado Jacinto depara-se com o campo, redescobrindo a leveza e a simplicidade contrastantes com o luxo e a mesquinhez alienantes cobertas de longos vestidos e chapéus caríssimos na Cidade Luz.


Não importa o século, o campo e a magnitude de suas serras ou de seus infinitos horizontes ainda são motivos para nos questionarmos o que a cidade tem a oferecer senão a mesquinhez, o egoísmo e um progresso destrutivo.
No silêncio do bosque sentia um lúgubre despovoamento do Universo. Não tolerava a familiaridade dos galhos que lhe roçassem a manga ou a face. Saltar uma sebe era para ele um acto degradante que o retrogradava ao macaco inicial. Todas as flores que não tivesse já encontrado em jardins, domesticadas por longos séculos de servidão ornamental, o inquietavam, como venenosas.