"Viver é ser feliz, despreocupado, ser dominado pela glória de tudo. Não ser feliz é uma morte em vida. Sozinho, me atiro ao céu, lanço meu desafio e grito a canção dos vencedores aos quatro ventos, à terra, ao mar, ao sol, à lua e às estrelas. Eu vivo!"
Trecho da carta de Everett Ruess ao seu amigo Bill Hughes, de 5 de maio de 1934
Nos anos da Grande Depressão, Everett Ruess (1914-1934/Oakland, Califórnia), um jovem insatisfeito com a vida que a maioria das pessoas levavam, quis viver à sua maneira. Seus objetivos eram desfrutar das paisagens do oeste americano, absorver impressões e experiências e manifestá-las tanto na pintura como na escrita. E os fez com sucesso, pelo menos até onde pôde.
No verão de 1930, com apenas 16 anos, Everett deixou Los Angeles rumo a sua primeira viagem solo. Acompanhado de uma mochila e um saco de dormir, pegou carona e dormiu sobre a areia das praias e dos desertos e entre pinheiros e as gigantes sequoias, aproveitando, quando possível, para esboçar as paisagens que o cercavam.
"Senti-me sempre insatisfeito com a vida que a maioria das pessoas vive. Quis sempre viver de uma maneira mais rica e mais intensa. Para quê perder tempo escondendo os meus desejos mais profundos quando, falando deles, poderei encontrar alguém que os entenda e, vivendo-os, poderei descobrir quem sou?"
Trecho da última carta de Everett ao seu irmão Waldo Ruess, de 11 de novembro de 1934
Em 1931, após retornar a LA para terminar os estudos, Everett adquiriu dois burros, que lhe acompanharam pelo restante da sua epopeia. Ruess viveu do pouco que conseguia vendendo suas blockprints, uma técnica semelhante à serigrafia. Quanto à prosa e à poesia, somente mais tarde foram publicadas - nas biografias On Desert Trails (1940) e Everett Ruess: Vagabond for Beauty (1983). Os poemas e excertos de Ruess encontram-se embaralhados às cartas escritas para familiares e amigos do viajante. Sua escrita revela a paixão pelo simples e extraordinário da natureza e pela liberdade.
O som da água correndo
Não haverá música, a não ser o som da água que corre entre as rochas e o sopro do vento nos pinheiros - uma brisa morna que acaricia minhas bochechas, bagunça meu cabelo com ternura. Sozinho, seguirei a trilha escura, um vazio de um lado e as alturas inatingíveis do outro, a escuridão de costas e à frente de mim. De repente, um sopro de vento vindo do infinito trará aos meus ouvidos novamente um som desconhecido, que lembra vagamente a água corrente. Quando esse som morre, tudo morre.
The Sound of Rushing Water (1930)
Ruess e um de seus burros no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. |
Ou sim, nas paredes rochosas de Davis Gulch, Ruess gravou “NEMO 1934”, em referência ao Capitão Nemo, herói verniano nos livros Vinte Mil Léguas Submarinas (1870) e A Ilha Misteriosa (1875). Nemo, assim como Ruess, era mestre de si, do seu desejo, ninguém, como etimologicamente diz, mas também tudo ao mesmo tempo. Everett Ruess viveu rápido, mas intensamente. Amou ternamente seus irmãos, mas preferiu a solidão, o deserto e a liberdade, como um cidadão do mundo.
“[...]
Eu fui aquele que amou o deserto
que rastejou entre os picos das montanhas.
Eu escutei o bravo som do mar
e cantei minha canção mais alta que os gritos dos ventos do deserto.
[...]
Digam que passei fome, que andei perdido, estoirado,
que fiquei cego e queimado pelo sol do deserto,
que andei com os pés doloridos, cheio de sede,
com doenças estranhas, sozinho, molhado e cheio de frio,
mas que vivi o meu sonho!"
Trecho do poema Wilderness Song
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