segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Sobre aquele que nunca ganhou o Nobel, sobre Jorge Luis Borges

O pensamento do escritor argentino Jorge Luis Borges está vivo. Ele se encontra na extensa coleção da Editora Martin Claret com o título O Pensamento Vivo

Imagens repetidas do escritor Jorge Luis Borges

Essa é uma coletânea de pensamentos, aforismos, citações e frases notáveis do escritor, que faleceu um ano após o publicação do livro da Martin Claret, em 1986, aos 86 anos. Ela vai reunir em um formato que lembra os jornais dos anos 70 ou suplementos literários, de uma forma muito dinâmica e extensa, mas sem cansar o leitor. Para além da estrutura, que vai se manter a mesma como o restante da coleção, esse livro dá impressão de estarmos na escrivaninha deste escritor argentino, ouvindo suas opiniões e histórias.

Conhecemos neste livro pequenos episódios da vida de Jorge Luis Borges através de recortes de memórias. Entendemos o escritor que tivemos ao lado, um hermano que nunca releu seus próprios textos e duvidara do seu potencial de Nobel - que, por fim, nunca ganhara.

Não releio nunca o que eu escrevo. Prefiro viver em função do futuro. Penso em projetos. (p. 14)
Borges tem em seu histórico uma rixa ideológica. Anti-peronista: los peronistas no son ni buenos, ni malos; son incorregibles.
Buenos Aires, 2023: Chávez, Néstor Kirchner e Lula

Identificado como um anarquista spenceriano  - uma espécie de anarquista conservador -, em sua juventude, sua visão política evoluiu de uma simpatia pela revolução para uma forte oposição aos extremos políticos. Ao longo do tempo, suas opiniões se tornaram mais favoráveis à democracia, culminando em críticas ao regime militar argentino. Sua identidade política complexa reflete um compromisso com a literatura, que se impõe diante das turbulências constantes na Argentina.
Não entendo nada de política. Não pertenço a nenhum partido. Sou um velho anarquista no sentido etimológico da palavra. Mas procurei ser um homem ético e creio que, em meu país, todos devemos procurar ajudar esse quase-milagre que foi a democracia, que ninguém esperava. [...] Creio que agora, em meu país, tudo depende de um ato de fé. (p. 100)

Você consegue imaginar a opinião de Borges sobre a Argentina desfalecida de Javier Milei? Se sim, comente no final da leitura.

Recapitulando... As páginas vão rolando e conhecemos opiniões que vão da infância à arte, passando pela literatura e política, revelando a complexidade da experiência do escritor. 

Durante toda a minha meninice pensei que ser amado equivaleria a uma injustiça. Não senti que merecia qualquer amor em particular, e lembro que meus aniversários me enchiam de vergonha, porque todos me cumulavam de presentes e eu achava que não havia feito nada para merecê-los - que era uma espécie de fraude. Depois dos trinta, mais ou menos, consegui vencer essa sensação. (p. 14)
À medida que a leitura avança, torna-se evidente um escritor em direção a sua amargura natural, traçando o perfil de um verdadeiro outsider. Ou melhor, um latino-outsider. 
Sei que sou um impostor, no sentido de que fiz muita gente acreditar que eu sou um escritor. (p. 95)
Essa confissão não apenas revela sua autocrítica de velho escritor amargurado, mas também aponta para a pressão externa que o rodeia, aquele que nunca ganhou um Nobel.
Esse Nobel parece um fantasma, está sempre a meu lado, e sempre impalpável, nunca consigo pegá-lo, ele fugindo e eu correndo atrás dele. Eu disse mesmo que não me interessava? Talvez não tenha sido bem entendido. Eu falo baixinho e os jornalistas não me entendem. Aliás, é difícil entender um poeta quando fala. É preciso ler sua palavra, seu verso, e captar seu desejo. Eu quero o Nobel, é claro que eu quero o Nobel. Mas será que eu o mereço. Quando penso que Gide ganhou o prêmio, me parece em 1946, então eu penso que não estou à altura do Nobel. Mas, ao mesmo tempo, quando eu penso que muitos outros também o ganharam, com toda a sua insignificância, então eu passo a desejar o prêmio apesar de não ter escrito o livro definitivo. De resto, somente o Espírito Santo escreveu o livro definitivo, o Antigo Testamento, a Bíblia. Os outros tentaram, mas quem conseguiu? (p. 31)

Nenhum comentário:

Postar um comentário