Há poucos anos atrás, minha irmã voltou de Floripa com um livreto alaranjado, seu título era Deus não conversa. Era um livro do poeta gaúcho Pedro Port, publicado pela Edições Delos, uma iniciativa própria do autor com apoio do artista franco-manezinho Rodrigo de Haro (1939-2021) e Idésio Leal, também da Ilha.
Pela finura do livreto, que se mescla aos zines e livros mais grossos, Deus não conversa perdeu-se na estante. Mas reencontrado, agora encontra, aqui no blog, um lugar.
Seja bem-vindo, Pedro Port.
Quem é Pedro Port?
Pedro Port nasceu no ano de 1941 em Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, cidade cortada pelo rio Jacuí na porção central do estado. Academicamente, formou-se em Filosofia pela federal gaúcha e, partindo para literatura, cursou pós-graduação na área na UFSC.
A carreira literária, a qual importa aqui, iniciou em 1964, em uma antologia poética (Poesia Vezes Três). E a partir dali, deslanchou-se em outros escritos e publicações.
Assim como muitos, chegou em Florianópolis e ancorou por lá. Tanto que, foi em Floripa que minha irmã encontrou o livro laranja, numa formato bem artesanal, fazendo jus à poesia de bar, de rua, de mercado, de praça e de quintal.
Tentei buscar por onde anda Pedro Port, mas infelizmente não encontrei informações atualizadas sobre o poeta até o final deste post (26/10/2025).
Deus não conversa
Eu gosto de coisas livres, como versos. Como poetisa de bloco de anotações, a rima nunca foi o meu forte. Então, defendo sem tese a nobreza de quem não rima - ou melhor, de quem não ousa rimar. No entanto, com a liberdade de escolha dos vocábulos, sem floreios, faz um jardim. Deus não conversa é tipo isso.
Pedro crava em suas linhas ora o cotidiano, ora a natureza sensível de quem escreve não para o mundo, mas para si. Arte é assim também, mesmo quando se fala de hollmops.
Moba o anjo gordo
provedor de todos os querbes
contabiliza bolachas de chopp
chora um trombone no bosque
(Hollmops)
Palavras difíceis não vão distanciar o poeta do leitor mais caseiro. Pelo menos é o que esperamos.
O que é poesia mãe?
É coisa de criança João
brinquedo da razão
astúcia do coração
Viver e a dor de viver também faz parte da temática deste livreto poético. Meditar sobre a morte não é um crime, mas um ato de viver. Observar partidas sem partir e como seria, se porventura o poeta experimentasse a saída da alma e também do corpo. Tudo vai embora:
Eu estava vivo ainda agora
Eu vinha morrendo
pela tarde estrelada
numa alameda florida
ninguém me via morrer
em hora tão linda do dia
mas eu via
tudo que perdia
eu via nas almas
eu olhava nos olhos
eu me despedia
de meus pecados
já me arrependia
quando me sobreveio
dolorosa consciência
eu havia morrido
de meu corpo caído
nas escadarias de um cais
eu me desprendera
agora não sei agora
meu espírito flutua
num oceano de dúvidas
sem suporte carnal
à espera talvez de um sinal
o guizo da serpente
o canto do pássaro
à porta do paraíso
No poema acima, Pedro Port faz um poema de transição ou de passagem. A morte não é um fim, mas como um momento de consciência extrema que perpassa um caminho até chegar, felizmente, ao paraíso.
E por falar em paraíso, mas não tão próximo, na última página, temos o poema que titula o livro. Esse poema vem carregado de palavras pesadas. Pedro Port traça a metafísica, o mistério do planeta, o sagrado e o desconhecido - ou seria apenas o excesso de palavras difíceis? Leia e viva em dúvidas!
Deus não conversa
Ó quanta prodignalidade na natureza
ó quão incomensurável superabundância do ser
ó ser cujo desígnio vincula o ente
vincula a existência em sua finitude
a uma grandeza tão superlativa que desafia qualquer entendimento
ó mistério profundo ó silêncio insondável
capaz de dissolver tantas perguntas
tantas disquisições desencontradas
ó incerteza ó negro oceano ó noite cintilante
PORT, Pedro. Deus não conversa. Edições Delos.

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