É notável o objetivo de problematizar o conto, não no sentido de apontar problemas, mas de analisar minuciosamente a narrativa a partir de uma lógica ou teoria, no caso, a psicanálise. Neste caminho, o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim seguiu para escrever “A Psicanálise dos Contos de Fadas” (1976).
O conto em pauta é um dos clássicos universais, a “Chapeuzinho Vermelho”, escrito pelo francês Charles Perrault, quase trezentos anos antes de Bettelheim publicar este livro. Além do clássico de Perrault, Bettelheim faz contrapontos com a adaptação dos Irmãos Grimm, escrita em 1812, e que porventura fez mais sucesso que a versão original.
Dentro da lógica freudiana, Bruno analisa fatos que para muitos leitores podem ter passado despercebidos ou que teriam sido amenizados pela versão dos alemães Grimm. Bruno nos faz questionar: Por que Capinha Vermelha (o verdadeiro nome na versão original) deu atenção ao lobo?Como ela não percebeu que quem estava na cama não era sua vó, mas sim, o lobo? Por que ela tirou a roupa e se deitou com o lobo? Como o autor coloca: ou ela é estúpida, ou ela quer mesmo ser seduzida pelo lobo.
A partir destas questões formuladas no imaginário do leitor, Bettelheim discorre sobre a ingenuidade da menina, o espírito animal do ser humano metaforizado no lobo, a relação de homens e a mulheres no seiscentismo europeu, o caráter incestuoso da história, os desejos inconscientes e etc. A problematização de Chapeuzinho Vermelho questiona a sexualidade dos personagens e seu papel na narrativa tanto de Perrault como dos Grimm. Além disso, ele fala sobre a cor vermelha e seus significados, relacionando-a à sexualidade de “mocinhas” e a emoções violentas.
Outro ponto é a redenção: enquanto o lobo de Perrault come a vovó e a menina sem dó, os Irmãos Grimm reiteram a justiça dos contos de fadas com a figura paternal do caçador cortando a barriga do lobo. Após isso, ocorre o “renascimento” da vovó e da menina, que aprendeu a não desobedecer os pais. Bruno diz que “a criança começa a entender – pelo menos num nível pré-consciente - que só experiências esmagadoras despertam sentimentos internos correspondentes com os quais não podemos lidar” (p. 217). Bettelheim cita o exemplo de Jonas, um personagem bíblico que foi engolido por uma baleia. O autor cita mais um outro exemplo, já no final do texto, “Apito, o Trenzinho”, que nada mais é do que um trem que desobedece, mas no final aprende com seus erros.
Depois de “renascer”, Chapeuzinho surge com o papel fundamental na conservação da tradição de justiça nos contos de fadas na história dos Irmãos Grimm. A menina tem um plano perverso de colocar pedras dentro da barriga do lobo, para que quando ele se levantasse, espatifasse no chão e morresse com o peso. O fato do lobo não morrer no episódio do corte na barriga é explicado como uma alusão à cesariana, pensando no emocional do leitor, na maioria das vezes crianças que não fazem muita ideia de como ocorre um parto, achando que o corte na barriga mataria suas mães como matou o lobo.
Em alguns momentos do texto, Bruno Bettelheim fala do quão importante é manter a pureza do conto para as crianças, sem explicar ou detalhar as ações dos personagens e o que envolve a narrativa. Bruno diz que “o valor do conto de fadas é destruído se alguém detalha os significados” (p. 205).
Com o tempo, esse ouvinte ou leitor vai entender – ou não – as metáforas e o contexto, pois vai ver, ouvir ou até mesmo viver e fará ligações com aquela história que ele ouviu durante uma roda de leitura durante a pré-escola. É importante ressaltar a narrativa didática, que é uma leitura saudável para o ouvinte, ainda mais sendo estes crianças, pois neste tipo de leitura, fomentar a curiosidade e a imaginação das crianças é essencial.
Mas agora, se Perrault estava ou não maliciando suas histórias, depois de muitos séculos é inútil julgá-lo, ainda mais quando sua narrativa se transformou num clássico universal, adaptado e readaptado até os dias de hoje.
Referência:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. 1976.
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