Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é o poeta da simplicidade, que tece em versos uma manhã bucólica. O poema Tecendo a manhã, presente no livro A educação pela pedra (1966), é sobre a anunciação dos galos, a manhã que vem chegar. A manhã (o sol) é tecida de cantos sucessivos, dos gritos dos galos.
Por dentro da metáfora, pode-se pensar o galo como homem. Os galos que gritam são homens que sozinhos não tecem uma manhã - um homem também não é ninguém sem outros homens. Juntos, homens erguem o toldo (fazem uma manhã), como uma andorinha só não faz verão, um homem só não faz a vida e um galo só não tece uma manhã.
Referências:
MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra.1966.
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