Mais do que uma coletânea de contos carregadas de peculiaridades jamesjoyceanas, Dubliners ou Dublinenses, carrega a geografia e os costumes da capital irlandesa.
São 15 contos que marcam o século passado, entre 1904 e 1907. Pontuarei apenas duas narrativas das quinze, sendo The boarding house (A pensão) e Little cloud (Uma pequena nuvem).
THE BOARDING HOUSE
The boarding house trata-se de um cenário digno de cortiço, carregado de problemas familiares: pai alcoólatra, mãe submissa e uma filha depravada. A visão de casamento como salvação monetária, em que a filha está à merce de um homem rico e rude - um triste retrato da maldade humana e da redução das mulheres, narrado de forma clara e fria.
Ele tinha mesmo se aproveitado da inocência e da imaturidade de Polly: isto era evidente. A questão era a seguinte: que tipo de retratação estaria ele disposto a fazer? Espera-se sempre uma retratação nesses casos. Para o homem é simples: desfruta do momento de prazer e segue seu caminho como se nada tivesse acontecido, mas a moça sofre as consequências. Algumas mães dariam um caso desses por encerrado aceitando uma quantia em dinheiro; ela conhecia alguns casos assim. Mas não faria isso. Para ela somente um tipo de retratação poderia compensar a perda da honra da filha: o casamento. (p. 67)
LITTLE CLOUD
A frustração do homem moderno faz-se refletida no conto Uma pequena nuvem. Little cloud é sobre inveja, não realizações e amargura do homem do século XX.
Sentado à sua escrivaninha na King's Inns pensava nas mudanças ocorridas naqueles oito anos. O amigo que conhecera outrora maltrapilho e pobre havia se tornado uma figura proeminente da imprensa londrina. A cada momento desviava os olhos de seus escritos entediantes e olhava através da janela do escritório. O brilho de um pôr do sol de final de outono cobria os gramados e as calçadas. Lançava uma suave névoa de poeira dourada sobre acompanhantes mal vestidas e velhos decrépitos que cochilavam nos bancos; reluzia em todas as coisas móveis - nas crianças que corriam gritando pelos caminhos cobertos com cascalho e em qualquer pessoa que passasse pelos jardins. Ele observou a cena e pensou na vida; e (como ocorria sempre que pensava na vida) entristeceu-se. Uma melancolia afável tomou conta do seu ser. Percebeu como era inútil lutar contra a sorte, constatação que resultava do peso da sabedoria que o tempo lhe trouxera. (p. 71)
O herói desta trama encontra-se enclausurado nas obrigações matrimoniais do recinto familiar, esqueceu ou deixou adormecer seus sonhos e desejos no meio da rotina, tomando doses de covarde à medida que o tempo corre.
Nesta literatura de James Joyce, Dublin passa a ser a cidade capital da decadência, da desesperança e das nuvens carregadas de frustração - eis uma pintura realista dos séculos.
Referências:
JOYCE, James.Dublinenses. São Paulo:Hedra, 2012.
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