Acreditando que as linguagens orientais não poderiam se adaptar à linguagem do ocidente, o escritor norte-americano Jack Kerouac propôs o American haiku dentro da sua bagagem literária.
Eu proponho que o haicai ocidental simplesmente diga muita coisa em três linhas breves em qualquer língua ocidental. Acima de tudo, um haicai deve ser muito simples, livre de truques poéticos, capaz de evocar algo e ainda assim ser tão delicado e gracioso com uma Pastorella de Vivaldi. (KEROUAC, 2013, p. 10)
Jack Kerouac é considerado o ícone da Beat Generation. O termo Beat carrega em seu significado uma geração “quebrada”, à margem da sociedade e um comportamento juvenil de aventuras e desventuras. Um grupo seleto de artistas que exploraram temas sexo, drogas, religiões orientais, a rejeição ao materialismo e condições humanas na sociedade fascinada pela liberdade de consumo. Kerouac adotou tal estilo de vida e literário e compôs obras que ficaram marcadas nesta geração, em destaque On the Road (1957), considerada um testamento da “lost generation”.
Para Prado (2018), a importância da narrativa On the Road para o surgimento da Geração Beat norte-americana pode ser vista como uma releitura contemporânea dos relatos de viagem do haicaista oriental Bashô (1644-1694). O mesmo autor correlaciona suas “experiências em aceitar o acaso do mundo como uma sabedoria cotidiana, capaz de fazer variar continuamente o olhar do viajante” (PRADO, 2018, p. 8).
Os American haikus (haicais americanos) são como experimentações estéticas influenciadas pelo interesse do escritor em pensamentos e filosofias orientais, como o budismo e o hinduísmo.
É nesta quebra de tradição estilística que transita o escritor, mas sem fugir da essência, transmissora de concentração e reflexão. Tal produção, como afirma Prado (2018, p. 9), retoma à “religação entre a revelação cotidiana da casualidade e a disposição em aceitar a transformação do olhar e de contemplar a sabedoria oculta e periférica no mundo”. Para o mesmo autor, “essas experiências poéticas enunciam um universo que resiste paralelo e se reconecta com a cena contemporânea” (PRADO, 2018, p. 9).
Tal ideia pode ser percebida entre a noção do eu no mundo e as observações casuais sob o ponto de vista do haicaísta contemporâneo.
Perturbando a essência da minha mente,
toda essa comida
Que eu tenho que preparar
Analisando um American haiku:
Crepúsculo de primavera
na Quinta Avenida,
Um pássaro
na Quinta Avenida,
Um pássaro
O haicai acima possui características do haicai oriental, tematiza a natureza, possui simplicidade e expressa serenidade. O elemento ociental é trazer a Quinta Avenida, uma das principais ruas nova-iorquinas. Este é um exemplo de como o haicai de Kerouac se mescla à cultura ocidental e de como rompe-se com o modelo oriental.
Para Kerouac (2013, p. 20) “uma sequência que é curta e suave com um súbito salto do pensamento é uma espécie de haicai, e há um monte de liberdade e graça em surpreender-se com isso, deixar a mente saltar ao acaso do galho ao pássaro”.
Tal concepção dá ideia de liberdade de escrita, concebida nas produções literárias de Kerouac, que buscava a identidade a “busca por um método artístico que pudesse liberar sua vida interior de forma satisfatória era imprescindível para que ele alcançasse clareza pessoal no sentido de revelação do devir e de expressão para seus leitores” (CARVALHO, 2017, p. 5).
Esse texto compõe meu trabalho final (recusado ✌️) do curso de Especialização em Arte Educação do SENAC. O projeto, hoje submerso em teias de aranha na nuvem digital, consistia em um oficina de haicais contemporâneos.
Referências:
CARVALHO, Samir de. Jack kerouac e o romance moderno: o devir escritor. Revista Arredia, Dourados, MS, Editora UFGD, v.6, n.10: 1-14, jan./jun. 2017.
KEROUAC, Jack. Livro dos haicais. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013.
PRADO, Thiago Martins Caldas. Análise contemporânea sobre a tradição do haicai japonês. Acta Scientiarum. Language and Culture, 2018.
Eu também escrevi: Jack Kerouac: um refúgio chamado Desolation Peak
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