sábado, 27 de abril de 2024

American Haiku: Jack Kerouac e o haicai da Quinta Avenida


Acreditando que as linguagens orientais não poderiam se adaptar à linguagem do ocidente, o escritor norte-americano Jack Kerouac propôs o American haiku dentro da sua bagagem literária.
Eu proponho que o haicai ocidental simplesmente diga muita coisa em três linhas breves em qualquer língua ocidental. Acima de tudo, um haicai deve ser muito simples, livre de truques poéticos, capaz de evocar algo e ainda assim ser tão delicado e gracioso com uma Pastorella de Vivaldi. (KEROUAC, 2013, p. 10)
Jack Kerouac é considerado o ícone da Beat Generation. O termo Beat carrega em seu significado uma geração “quebrada”, à margem da sociedade e um comportamento juvenil de aventuras e desventuras. Um grupo seleto de artistas que exploraram temas sexo, drogas, religiões orientais, a rejeição ao materialismo e condições humanas na sociedade fascinada pela liberdade de consumo. Kerouac adotou tal estilo de vida e literário e compôs obras que ficaram marcadas nesta geração, em destaque On the Road (1957), considerada um testamento da “lost generation”.

Para Prado (2018), a importância   da   narrativa   On   the   Road   para   o   surgimento  da  Geração  Beat  norte-americana  pode ser vista  como  uma  releitura  contemporânea  dos  relatos  de  viagem  do haicaista oriental  Bashô (1644-1694). O mesmo autor correlaciona suas “experiências  em  aceitar  o  acaso  do  mundo  como  uma  sabedoria  cotidiana,  capaz  de  fazer  variar  continuamente  o  olhar do viajante” (PRADO, 2018, p. 8).

Os American haikus (haicais americanos) são como experimentações estéticas influenciadas pelo interesse do escritor em pensamentos e filosofias orientais, como o budismo e o hinduísmo.


É nesta quebra de tradição estilística que transita o escritor, mas sem fugir da essência, transmissora de concentração e reflexão. Tal produção, como afirma Prado (2018, p. 9), retoma à “religação entre a revelação cotidiana  da  casualidade  e  a  disposição  em  aceitar  a  transformação  do  olhar  e  de  contemplar  a  sabedoria  oculta  e  periférica  no  mundo”.  Para o mesmo autor, “essas  experiências  poéticas  enunciam  um  universo  que  resiste  paralelo  e se reconecta com a cena contemporânea” (PRADO, 2018, p. 9).

Tal ideia pode ser percebida entre a noção do eu no mundo e as observações casuais sob o ponto de vista do haicaísta contemporâneo.

Perturbando a essência da minha mente,
toda essa comida
Que eu tenho que preparar


Analisando um American haiku:


Crepúsculo de primavera
na Quinta Avenida,
Um pássaro

O haicai acima possui características do haicai oriental, tematiza a natureza, possui simplicidade e expressa serenidade. O elemento ociental é trazer a Quinta Avenida, uma das principais ruas nova-iorquinas. Este é um exemplo de como o haicai de Kerouac se mescla à cultura ocidental e de como rompe-se  com o modelo oriental. 


Para Kerouac (2013, p. 20) “uma sequência que é curta e suave com um súbito salto do pensamento é uma espécie de haicai, e há um monte de liberdade e graça em surpreender-se com isso, deixar a mente saltar ao acaso do galho ao pássaro”.

Tal concepção dá ideia de liberdade de escrita, concebida nas produções literárias de Kerouac, que buscava a identidade a “busca por um método artístico que pudesse liberar sua vida interior de forma satisfatória era imprescindível para que ele alcançasse clareza pessoal no sentido de revelação do devir e de expressão para seus leitores” (CARVALHO, 2017, p. 5).

Esse texto compõe meu trabalho final (recusado ✌️) do curso de Especialização em Arte Educação do SENAC. O projeto, hoje submerso em teias de aranha na nuvem digital, consistia em um oficina de haicais contemporâneos.

Referências:

CARVALHO, Samir de. Jack kerouac e o romance moderno: o devir escritor. Revista Arredia, Dourados, MS, Editora UFGD, v.6, n.10: 1-14, jan./jun. 2017. 
KEROUAC, Jack. Livro dos haicais. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013.
PRADO, Thiago Martins Caldas. Análise contemporânea sobre a tradição do haicai japonês. Acta Scientiarum. Language and Culture, 2018.

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