Cuba, anos 90. Cenário de pobreza e abandono de um sistema político derrotado. Pedro Juan Gutiérrez narra sua rotina em uma Havana longe de ser atraente aos olhos e câmeras dos turistas.
O jornal de hoje trazia na primeira página uma entrevista de um ministro importante e fanfarrão. O sujeito, sorridente, gordinho, dizia: "Cuba não é um paraíso nem um inferno." Eu teria perguntado: "E o que é, o limbo?".
A linguagem de Pedro Juan é rica em detalhes, fala-se em ruas, brigas, porres e sexo. O abuso de palavras transmite calor, fome e faz o leitor sentir o cheiro da cidade, numa relação de tranquilidade e caos.
Daqui de cima se vê toda a cidade às escuras. A termoelétrica de Tallapiedra soltando uma fumaça preta e densa, que não se mexe. Não há vento e a fumaça fica imóvel. Um cheiro que parece amoníaco inunda a cidade. A lua cheia prateia tudo através dessa névoa espessa de gás e fumaça. Quase não há carros. Um ou outro passa pelo Malecón. Tudo em silêncio e calma, como se nada estivesse acontecendo. Só os tambores que se ouvem abafados e distantes. Gosto deste lugar.
Malecón |
A sexualidade se faz presente em praticamente todos os capítulos da narrativa. O que parece é que essas cenas são uma forma de amenizar o caos, as brigas de rua, a fome, a habitação insalubre e tudo mais que rodeia a rotina dos personagens cubanos. Há fome, mas há sexo, papi.
Luisa fica pensado um pouco, meio fora do mundo. Ao lado da cama estavam amontoados os folhetos de propaganda que os trotskistas deixaram. Olha para eles em silêncio, pensativa, e me pergunta:- Será que os trotskistas trepam feito a gente?- Não sei. Bom... Sim. Por que não?- É que eles são tão revolucionários.- Isso não tem nada a ver.- Não é igual, Pedro Juan. Eles não dedicam muito tempo a essas coisas. Talvez aos domingos de tarde ou coisa assim. Mas não feito a gente.
As jogadas filosóficas do autor também compõem a narrativa e amenizam algumas das situações mais pitorescas narradas no livro. Deixando de lado o realismo de suas descrições, carregadas de detalhes sórdidos e sujeira, Pedro Juan arranja artifícios psicológicos e até espirituais para fazer o leitor cair em reflexão, muitas delas envolvendo solidão.
"O homem é um ser social", tinham me repetido muitas vezes. Isso, mais o calor do trópico, o sangue latino, minha mestiçagem fabulosa, tudo conspirava em torno de mim, como uma rede, deixando-me incapacitado para a solidão. Esse era o meu problema, o meu desafio: aprender a viver e a desfrutar dentro de mim. E o problema não é simples: os hindus, os chineses, os japoneses, todos os povos que têm culturas milenares dedicaram boa parte do seu tempo a desenvolver filosofias e técnicas de vida interior. Mesmo assim, todo ano se suicidam no mundo não sei quantos milhares de pessoas, arrasadas pela própria solidão. E não é verdade que alguém escolha estar sozinho. É que, pouco a pouco, vai ficando sozinho.
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