segunda-feira, 28 de julho de 2025

Cuidado com os Capitães da Areia

Joshua Woroniecki | Unsplash
Capitães da Areia (1937), é um clássico de Jorge Amado e também da literatura brasileira. A leitura deste livro exige atenção, como quem caminha pelos cantos e cais de Salvador com olhos bem abertos.

Em poucas páginas, os garotos de rua tomam o leitor de assalto, não com violência gratuita, mas com a urgência de quem nunca teve tempo para ser criança.
Desde pequenos, na arriscada vida da rua, os Capitães da Areia eram como homens, eram iguais a homens. Toda a diferença estava no tamanho. No mais, eram iguais: amavam e derrubavam negras no areal desde cedo, furtavam para viver como os ladrões da cidade. Quando eram presos apanhavam surras como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como os mais temidos bandidos da Bahia. Não tinham também conversas de meninos, conversavam como homens. Sentiam mesmo como homens. Quando outras crianças só se preocupavam com brincar, estudar livros para aprender a ler, eles se viam envolvidos em acontecimentos que só os homens sabiam resolver. Sempre tinham sido como homens, na sua vida de miséria e de aventura, nunca tinham sido perfeitamente crianças. (p. 244)

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Primavera Negra, a estação mais vazia de Henry Miller

Neste vômito nasci, e neste vômito morrerei.

Para os amantes da literatura modernista e da prosa experimental, Henry Miller oferece sempre uma experiência visceral, onde a beleza poética encontra uma luz no fim do túnel do esgoto. Em Primavera Negra, livro publicado em 1936, essa literatura não é diferente.
Agora eu nunca estou sozinho. Na pior das hipóteses estou com Deus! 
Alexander Zvir | Unsplash

segunda-feira, 14 de julho de 2025

A cor triste de Tsukuru Tazaki ou notas de Murakami

Este texto é sobre um livro triste. Ou seria apenas sobre a vida? Falo aqui de uma tristeza moldada por silêncios, abandonos e pela forma como aprendemos a perceber a dor. 

O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (2014), do escritor japonês Haruki Murakami é obra que não fala apenas sobre perda, mas sobre o que significa ser deixado para trás e ainda assim continuar existindo.

Nas mais de trezentas páginas, Tsukuru, o protagonista melancólico, caminha de mãos dadas com a solidão. O ponto de partida é um abandono marcante na juventude, não de família, mas de amigos. Em um momento de transição da adolescência para a vida adulta, Tsukuru é expulso, sem explicações, do círculo de quatro amigos que pareciam inseparáveis. Esse grupo tinha cor (Vermelho, Azul, Preta e Branca) enquanto ele era o incolor

Lex Sirikiat | Unsplash

segunda-feira, 7 de julho de 2025

A tristeza da imortalidade no conto "Centauro" de José Saramago

A figura do centauro nos remete à força, mas na lenda de Quíron, esta criatura mitológica apresenta uma faceta sombria. Ferido por uma flecha envenenada, a natureza o condenou a um sofrimento eterno. Quíron jamais morreria.

Biblioteca Pública de Boston | Unsplash

A solidão dos dias eternos em Centauro de José Saramago

No conto Centauro, José Saramago parece dialogar com essa angústia da eternidade de Quíron. Longe do heroísmo atribuído a outros centauros, o protagonista carrega o peso de uma fadiga de séculos e milênios, uma exaustão que vai além do físico e atinge a sua essência e sua existência híbrida.

O tempo foi passando. Por fim, já não lhe sobrava terra para viver com segurança. Passou a dormir durante o dia e  caminhar de noite. Caminhar e dormir. Dormir e Caminhar. Sem nenhuma razão que conhecesse, apenas porque tinha patas e sono. Comer não precisava. E o sono era necessário para que pudesse sonhar. E a água, apenas porque era a água.