Este texto é sobre um livro triste. Ou seria apenas sobre a vida? Falo aqui de uma tristeza moldada por silêncios, abandonos e pela forma como aprendemos a perceber a dor.
O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (2014), do escritor japonês Haruki Murakami é obra que não fala apenas sobre perda, mas sobre o que significa ser deixado para trás e ainda assim continuar existindo.
Nas mais de trezentas páginas, Tsukuru, o protagonista melancólico, caminha de mãos dadas com a solidão. O ponto de partida é um abandono marcante na juventude, não de família, mas de amigos. Em um momento de transição da adolescência para a vida adulta, Tsukuru é expulso, sem explicações, do círculo de quatro amigos que pareciam inseparáveis. Esse grupo tinha cor (Vermelho, Azul, Preta e Branca) enquanto ele era o incolor.
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Lex Sirikiat | Unsplash |
Tsukuru, um construtor de estação, via-se como um cara sem cor, sem personalidade e com uma ferida que se arrastaria por décadas.
Sempre senti que eu era como um recipiente vazio. Talvez eu apresente algum formato de recipiente, mas dentro não possuo nada que possa ser chamado de conteúdo. (p. 286)
Vivendo em Tóquio e carregando o peso desse abandono, Tsukuru nunca se viu como alguém realmente necessário. Sua autoestima foi corroída pela sensação de não pertencimento. E mesmo aos 36 anos, esse vazio ainda o acompanha. Ele acredita ser um ser neutro, transparente, sem valor.
A narrativa ganha novos contornos quando surge Sara, uma mulher mais madura, que o incentiva a encarar os fantasmas do passado. É ela quem o impulsiona a buscar respostas, procurar os antigos amigos e, finalmente, entender por que foi rejeitado. O que Tsukuru encontra nesses capítulos reforça sua percepção de si mesmo e sua relação com Sara.
A dor permeia inúmeras passagens do livro, manifestando-se entre sentimentos de vazio e reflexões sobre o passado e o presente.
Ele fechou os olhos e vagueou por um tempo nesse mundo da dor, como se deixasse flutuar o corpo na água. Ainda é melhor sentir dor, ele procurou pensar. O pior é não sentir nem ao menos dor.
Vários barulhos se misturaram e tornaram um só, resultando em um ruído agudo no fundo do ouvido. Era um ruído especial, que ele só conseguia escutar no silêncio infinitamente profundo. Não vinha de fora. Era um barulho produzido por ele mesmo no interior dos seus órgãos. Todas as pessoas vivem com esse barulho peculiar, mas quase nunca têm a oportunidade de ouvi-lo. (p. 218)
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collage @deliriorecortado |
Murakami, referência na literatura contemporânea japonesa, nos entrega aqui uma história sensível sobre memória, rejeição e identidade. Mas também nos entrega uma história de como devemos ser a partir desses traumas, ou seja, também é uma história sobre sobrevivência.
- Como podemos ver, nós sobrevivemos. [...] E as pessoas que sobrevivem têm responsabilidades que precisam assumir. É continuar sobrevivendo assim, firmemente, dando o melhor de si. Mesmo que só consigam fazer muitas coisas de forma imperfeita. (p.284)
MURAKAMI, Haruki. O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
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Antes feito do que não feito, né, Fernanda?
ResponderExcluirhttps://epiphyllumlogos.blogspot.com/
Exato!
Excluirps: belo blog,
Obrigado. E belo conteúdo, o seu.
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