A figura do centauro nos remete à força, mas na lenda de Quíron, esta criatura mitológica apresenta uma faceta sombria. Ferido por uma flecha envenenada, a natureza o condenou a um sofrimento eterno. Quíron jamais morreria.
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Biblioteca Pública de Boston | Unsplash |
A solidão dos dias eternos em Centauro de José Saramago
No conto Centauro, José Saramago parece dialogar com essa angústia da eternidade de Quíron. Longe do heroísmo atribuído a outros centauros, o protagonista carrega o peso de uma fadiga de séculos e milênios, uma exaustão que vai além do físico e atinge a sua essência e sua existência híbrida.
O tempo foi passando. Por fim, já não lhe sobrava terra para viver com segurança. Passou a dormir durante o dia e caminhar de noite. Caminhar e dormir. Dormir e Caminhar. Sem nenhuma razão que conhecesse, apenas porque tinha patas e sono. Comer não precisava. E o sono era necessário para que pudesse sonhar. E a água, apenas porque era a água.
Sonhar feito dois seres
A escrita de Saramago nos aproxima da tristeza desta criatura, que caminha, dorme e bebe água. As horas de sono são as mais desejadas, não pelo descanso, mas como fuga, ilustrando a constante negociação entre suas duas naturezas: homem e cavalo.
O sonho emerge como um território de união, onde a dualidade busca, ainda que brevemente, a unidade.
Nunca sonhava como sonha um homem. Também nunca sonhava como sonharia um cavalo. Nas horas em que estavam acordados, as ocasiões de paz ou de simples conciliação não eram muitas. Mas o sonho de um e o sonho de outro faziam o sonho do centauro.
Um fardo chamado imortalidade
Milhares de anos tinham de ser milhares de aventuras. Milhares de aventuras, porém, são demasiados para valerem uma verdadeira e inesquecível aventura.
A reflexão acima ressoa com um profundo vazio existencial. A vastidão do tempo parece diluir o significado de cada experiência, transformando a eternidade em um fardo desprovido, de fato, de aventura.
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