Se há uma coisa que não posso suportar é pensar que tudo isto amanhã será história. (Magris)
Quantas pontes deveremos atravessar para perceber a infinidade da nossa História? Danúbio é o rio que corta a porção central do continente europeu. E Danúbio é o título do livro de Claudio Magris, publicado em 1986, nos minutos finais da URSS.
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Ponte UFO, construída na URSS em Bratislava (Eslováquia) |
Magris viajou para cada país cortado pelo Danúbio nos anos 80. Na bagagem do escritor, o terror político se entrelaça na arquitetura, no folclore, na literatura e tudo que clareia a esfumaçada História e Geopolítica, tecendo, por fim, um rico tapete cultural.
Sobre a morte:
A morte é inócua, comedida e discreta, não incomoda nem faz mal a ninguém; é a vida que perturba, faz barulho, estraga, agride e deve então ser refreada para que não seja viva demais. (p.187)
Sobre a vida:
Bêbado e vadio, que vive sempre os últimos dos seus dias, que vive num epílogo prolongado, no intervalo entre o crepúsculo e o fim, no adeus prolongado e adiado. Essa pausa é o instante roubado à fuga e gozado a fundo, a arte de viver à beira do nada, fazendo de conta que tudo está em ordem. (p. 198)
Sobre o amor:
Talvez só o amor completo e duradouro, ou a franca sexualidade animal, que se esgota na satisfação imediata sem iludir nem iludir-se com algo mais, tenham uma verdade em si, enquanto a variada gama de gradações intermediárias das relações amorosas, típica invenção humana, é frequentemente uma série de falsidades e violências embelezadas por um Kitsch Sentimental. (p. 179)
Sobre a nossa identidade:
Uma identidade é feita também de lugares, das ruas em que vivemos e onde deixamos parte de nós. (p.220)
Sobre ócio x ofício (analogia):
Se no início a melancolia da poesia é a sua inutilidade num mundo alienado, mais tarde - com o advento do socialismo real -, é o sentimento de ser inútil num mundo que necessidade da prosa do trabalho e não da poesia da espera revolucionária. (p. 237)
Sobre a literatura:
A verdadeira literatura não é aquela que bajula o leitor, mas sim aquela que o persegue e o coloca em dificuldades, que o obriga a refazer as contas com o seu mundo e com suas certezas. (p.159)
Parlamento de Budapeste às margens do Danúbio na Húngria | danilowoz
Aprendemos nesses quase 3 mil quilômetros de páginas que o que nos constitui é muito (ou será infinito?). Para Magris, nossa identidade se constitui de um todo, dos lugares, das pessoas, da História e o que ela nos deixou. Não é difícil percebermos em Danúbio que fazemos parte de uma coisa só: eu, aqui, no Sul da América do Sul, e Magris, em 1980, atravessando uma ponte sob o segundo maior rio da Europa.
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MAGRIS, Claudio. Danúbio. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1982.
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