segunda-feira, 28 de abril de 2025

A nossa existência em "Danúbio" (Cladio Magris)

Se há uma coisa que não posso suportar é pensar que tudo isto amanhã será história. (Magris)

Quantas pontes deveremos atravessar para perceber a infinidade da nossa História? Danúbio é o rio que corta a porção central do continente europeu. E Danúbio é o título do livro de Claudio Magris, publicado em 1986, nos minutos finais da URSS.

Ponte UFO, construída na URSS
em Bratislava (Eslováquia)

Magris viajou para cada país cortado pelo Danúbio nos anos 80. Na bagagem do escritor, o terror político se entrelaça na arquitetura, no folclore, na literatura e tudo que clareia a esfumaçada História e Geopolítica, tecendo, por fim, um rico tapete cultural.

Entre inúmeras temáticas, Claudio Magris insiste em uma: a nossa existência. Magris usa a palavra para falar da palavra, a história para falar de história e a vida para falar da vida. 

Danúbio é um livro rico de referências que enfurecem leitores não aclimatados com excesso de palavras apenas para esclarecer o óbvio, entre o peso e a leveza de respirar e seguir.

Sobre a morte:

A morte é inócua, comedida e discreta, não incomoda nem faz mal a ninguém; é a vida que perturba, faz barulho, estraga, agride e deve então ser refreada para que não seja viva demais. (p.187)

Sobre a vida:

Bêbado e vadio, que vive sempre os últimos dos seus dias, que vive num epílogo prolongado, no intervalo entre o crepúsculo e o fim, no adeus prolongado e adiado. Essa pausa é o instante roubado à fuga e gozado a fundo, a arte de viver à beira do nada, fazendo de conta que tudo está em ordem. (p. 198)

Sobre o amor:

Talvez só o amor completo e duradouro, ou a franca sexualidade animal, que se esgota na satisfação imediata sem iludir nem iludir-se com algo mais, tenham uma verdade em si, enquanto a variada gama de gradações intermediárias das relações amorosas, típica invenção humana, é frequentemente uma série de falsidades e violências embelezadas por um Kitsch Sentimental. (p. 179)

Sobre a nossa identidade:

Uma identidade é feita também de lugares, das ruas em que vivemos e onde deixamos parte de nós. (p.220)

Sobre ócio x ofício (analogia):

Se no início a melancolia da poesia é a sua inutilidade num mundo alienado, mais tarde - com o advento do socialismo real -, é o sentimento de ser inútil num mundo que necessidade da prosa do trabalho e não da poesia da espera revolucionária. (p. 237)

Sobre a literatura:

A verdadeira literatura não é aquela que bajula o leitor, mas sim aquela que o persegue e o coloca em dificuldades, que o obriga a refazer as contas com o seu mundo e com suas certezas. (p.159)

Parlamento de Budapeste às margens do Danúbio na Húngria | danilowoz

Aprendemos nesses quase 3 mil quilômetros de páginas que o que nos constitui é muito (ou será infinito?). Para Magris, nossa identidade se constitui de um todo, dos lugares, das pessoas, da História e o que ela nos deixou. Não é difícil percebermos em Danúbio que fazemos parte de uma coisa só: eu, aqui, no Sul da América do Sul, e Magris, em 1980, atravessando uma ponte sob o segundo maior rio da Europa.

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MAGRIS, Claudio. Danúbio. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1982.

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