sexta-feira, 25 de abril de 2025

O que restou do Itabirito

Minas Gerais é o berço da mineração no país e também do poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1965, ele escreveu um poema-alerta sobre o Pico Itabirito, um amontoado rochoso constituído de minério de ferro com aproximadamente 1586 metros de altura.

Pico Itabirito em 1956 | Vitto Rocco Melillo / IEPHA-MG

O Pico Itabirito está localizado na região da Serra das Serrinhas em Itabira, uma cidadezinha no centro de Minas Gerais. O Pico encontra-se em uma área potencialmente atrativa para as mineradoras de ferro. Em 1940, o terreno foi vendido para uma companhia britânica de mineração e atualmente pertence à Vale.

Com o passar dos anos, o Pico Itabirito está se tornando cada vez menos imponente. Quem segue de São Paulo pela BR-040 em direção a Belo Horizonte, pode observar esse cenário apocalíptico de perto: escavadeiras e caminhões trabalhando 24 horas por dia na destruição do entorno do Itabirito.

"Não à mineração contaminadora a céu aberto.
Sem água, sem vida." Adesivo no Norte da Argentina,
um dos principais produtores de lítio no mundo.
A mineração impacta muito mais que uma paisagem, é um problema socioambiental. No estado de Minas Gerais, por exemplo, este tipo de atividade econômica é uma das principais causas da contaminação do rio São Francisco e prejudica centenas de famílias de comunidades tradicionais. De acordo com um levantamento da Fiocruz, a mineração é uma das principais geradoras de injustiça ambiental no país - confira esses dados aqui.

Para conter a destruição total, na década de 60, o Itabirito foi tombado e pouco tempo depois destombado. Anos mais tarde, em 1989, ele foi novamente tombado, registrado, por fim, até hoje, como um patrimônio geológico pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA-MG).

Apesar disso, as cicatrizes da mineração ficarão de Norte a Sul do país, assim como em todo Planeta, como marca da irresponsabilidade ambiental e da espoliação do capitalismo.

O PICO DE ITABIRITO - Carlos Drummond de Andrade

O pico de Itabirito

Será moído e exportado

Mas ficará no infinito

Seu fantasma desolado.


Com tanto minério em roda

Podendo ser extraído,

A icominas se açoda

E nem sequer presta ouvido

Ao grave apelo da história

Que recortou nessa imagem

Um outro azul da memória

E um assombro da paisagem.


St. John del rey mining sai,

Mais hanna mais icominas

E sem dizer água-vai

Serram os serros de Minas,

Nobres cimos altaneiros

Que davam com sobriedade,

Aos de casa e forasteiros

Um curso de eternidade.


A tripla, agressiva empresa

Acha que tudo se exporta

E galas da natureza

São luzes de estrela morta.


Traição?  Ora, bulufas,

Ruínas, frases e ossos.

Algibeiras como estrofas

De ouro feito de destroços!


Mas eis que salta o conselho

Dos homens bons do Dphan,

No caso mete o bedelho

E na brisa da manhã

Acende um sol de esperança

Sobre a paisagem mineira.

(até onde a vista alcança,

Era dinamite e poeira.)


– o pico de Itabirito,

Este há de ser preservado

Com presença, não mito,

De um brilhante passado.


Conselho dixit.  E “tombando”

A rocha, mais rocha agora.

Demonstra-nos como, quando,

Com peito, uma lei vigora.

St. John, hanna e ico, murchos,

Detêm-se para pensar.


Queimaram-se os seus cartuchos

Ou resta um jeitinho no ar?

– vamos chorar nossas mágoas

E, reforçando o lamento,

Arar em sabidas águas:

Ação, desenvolvimento!


Tudo exportar bem depressa,

Suando as rotas camisas.

Ficam buracos?  Ora essa,

O que vale são divisas

Que tapem outros “buracos”

Do tesouro nacional,

Deixando em redor os cacos

De um país colonial.


Escorre o tempo. E à cantiga

Dessa viola afinada,

Já ninguém mais lembra a antiga

Voz do conselho, nem nada.


E vem de cima um despacho

Autorizando: derruba!

Role tudo, de alto a baixo,

Como, ao vento, uma embaúba!


E o pico de Itabirito

Será moído, exportado.

Só quedará no infinito

Seu fantasma desolado.

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