Publicada em 1929, Dona Bárbara é uma das principais obras da literatura venezuelana, escrita por Rómulo Gallegos (1884–1969), que também transitou pela política. Gallegos governou seu país por um breve período de oito meses (1948), interrompido por um Golpe Militar.
Para além do contexto político do autor, esta obra mergulha profundamente no modo de vida singular do homem e da mulher dos Llanos venezuelanos - os llaneros -, explorando sua relação intrínseca com a natureza da região.
Los Llanos
Ao norte da Venezuela, banhada pelo majestoso rio Orinoco, estende-se a imponente e selvagem região dos Llanos. Esta savana tropical, como é caracterizada, divide-se em território venezuelano e colombiano.
Este é um dos principais biomas da América do Sul, que molda o espírito forte, livre e indomável de muitos de seus habitantes.
A llanura é bela e terrível ao mesmo tempo; nela cabem, folgadamente, formosa vida e morte atroz. Esta espreita por todas as partes; porém ali ninguém a teme. O Llano assusta; mas o medo do Llano não esfria o coração: é quente como o grande vento de sua imensidão ensolarada, como a febre dos pântanos.
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Jean-Luc Crucifix | Unsplash |
O romance dos Llanos
Dona Bárbara é uma narrativa intensa sobre o confronto territorial e ideológico entre Bárbara e Santos Luzardo. Bárbara é apresentada como uma figura bravia e independente, moldada por um passado de violência e desilusões amorosas.
Fruto engendrado pela violência do branco aventureiro na sombria sensualidade na índia, sua origem se perdia no dramático mistério das terras virgens.
Numa aura de mistério e selvageria, ligada intrinsecamente à natureza indomada dos Llanos venezuelanos, ela possui uma beleza magnética e poder de sedução. Barbara conquistou a vasta região do Arauca através de meios poderosos, subjugando homens com seu fascínio e acumulando riqueza e influência, com exceção das terras de Altamira, pertencentes a Santos Luzardo.
Gallegos enriquece a narrativa com elementos do Realismo Mágico, característico da literatura latino-americana, ao incorporar as crenças ancestrais e o misticismo que permeiam a cultura dos povos originários, fundindo-os com as tradições cristãs. Criada em meio aos indígenas, ela absorveu a sabedoria da natureza, desenvolvendo uma espiritualidade sincrética onde o sagrado e o profano se entrelaçam.
Deus ou demônio tutelar, era o mesmo para ela, já que em seu espírito, feitiçarias e crenças religiosas, conjuros e orações, tudo estava misturado e confundido em uma só massa de superstição, assim como sobre seu peito estavam em perfeita harmonia amuletos de bruxos índios e escapulários, e sobrea prateleira do quarto dos misteriosos conciliábulos com o "Sócio", imagens piedosas, cruzes de palma bendita, presas de jacarés, pedras de corvineta e de centelha, e fetiches que trouxera dos ranchos indígenas consumiam o óleo de uma mesma lamparina votiva.
Já Santos Luzardo é um jovem advogado que retorna aos Llanos para tomar posse da fazenda herdada de seu pai, Altamira. Um personificação da ordem, ele confronta Dona Bárbara e sua tirania diante do domínio da região, marcada por violência, corrupção e uma série de confrontos territoriais.
Ao longo da narrativa, Rómulo Gallegos explora a relação entre o ser humano e a natureza implacável dos Llanos, a profunda influência desse ambiente na moldagem do caráter e as tensões sociais e políticas da Venezuela da época, que respingam até hoje na História do país.
Para além do conflito territorial central, Gallegos introduz uma paixão inesperada da indomável Dona Bárbara por Santos Luzardo. Contudo, apesar de sua força sobrenatural, Bárbara não consegue despertar o amor de Santos, que conhece suas crueldades e artimanhas.
Em contrapartida, o destino tece laços inesperados quando Santos se apaixona por Marisela, a filha renegada de Dona Bárbara. Nesse triângulo amoroso, Gallegos constrói uma trama marcada por vinganças e ressentimentos.
Para ser amada por um homem como Santos Luzardo é necessário não ter história.
Novamente confrontada pela amarga frustração amorosa, a anti-heroína finalmente cede ao curso dos acontecimentos, desaparecendo misteriosamente das vastas planícies dos Llanos. Com seu sumiço, suas terras, chamadas de El Miedo, passam para as mãos de quem por direito as herdou e almejava para a região um futuro marcado pela civilidade e pela ordem. E tudo volta a ser Altamira.
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