Mais do que um livro sobre saudades, Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva, é uma história sobre memória.
A memória não é a capacidade de organizar e classificar recordações em arquivos. Não existem arquivos. A acumulação do passado sobre o passado prossegue até o nosso fim, memória sobre memória, através de memórias que se misturam, deturpadas, bloqueadas, recorrentes ou escondidas, ou reprimidas, ou blindadas por um instinto de sobrevivência. (p.25)
O autor revisita o passado com um olhar especial para sua mãe, Eunice Paiva, retratada como uma mulher forte, vaidosa e destemida, especialmente após o desaparecimento e assassinato de seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, vítima da ditadura militar no Brasil.
Ao longo da narrativa, Marcelo expõe os abusos autoritários do regime militar, relembrando as circunstâncias trágicas e injustificáveis da morte de seu pai. Com tom biográfico, ele também descreve a luta de sua mãe, cuja memória foi gradualmente apagada pelo Alzheimer.
O autor também traz informações importantes sobre o caso Rubens Paiva e outras vítimas da repressão, mencionando nomes de torturadores, processos jurídicos e detalhes sobre o assassinato do ex-deputado.
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Eunice Paiva e Rubens Paiva |
Mesmo diante da dor, Eunice Paiva nunca se deixou vencer pela tristeza. Aparecia em jornais e revistas com um sorriso de resistência, simbolizando uma luta incansável por justiça.
Por anos, fotógrafos nos queriam tristes nas fotos. Tivemos nossa guerra fria contra o pieguismo da imprensa. Com o tempo, aprendemos a selecionar qual órgão evitar e como nos portar. Éramos "A família vítima da ditadura". Apesar de preferirmos a legenda "Uma das muitas famílias vítimas de muitas ditaduras". Não faríamos o papelão de sairmos tristes nas fotos. Nosso inimigo não iria nos derrubar. Família Rubens Paiva não chora na frente das câmeras, não faz cara de coitada, não se faz de vítima e não é revanchista. Trocou o comando, continua em pé e na luta. A família Rubens Paiva não é a vítima da ditadura, o país que é. O crime foi contra a humanidade, não contra Rubens Paiva. Precisamos estar saudáveis, bronzeados para a contraofensiva. Angústia, lágrimas, ódio, apenas entre quatro paredes. Foi a minha mãe quem ditou o tom, ela quem nos ensinou. (p. 39)
Este livro é um importante registro histórico sobre a ditadura militar no Brasil, resgatando a memória de milhares de políticos, estudantes, artistas, professores, indígenas e tantos outros perseguidos pelo regime. Um relato contra o autoritarismo e os abusos de poder de um período político violento, que ecoa até os dias de hoje.
A tortura é a ferramenta de um poder instável, autoritário, que precisa da violência limítrofe para se firmar, e uma aliança sádica entre facínoras, estadistas psicopatas, lideranças de regimes que se mantêm pelo terror e seus comandados. Não é ação de um grupo isolado. A tortura é patrocinada pelo Estado. A tortura é um regime, um Estado. (p. 110)
PAIVA, Marcelo Rubens. Ainda estou aqui. 1. Ed. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.
Um livro triste, na minha opinião, não apenas pelo caso Rubens Paiva, mas tbm pelo alzheimer.
ResponderExcluirSim, são tantos temas que causam nó na garganta.
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