Em 1820, o botânico e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire chegou ao Brasil em uma viagem que marcaria profundamente os registros científicos e culturais da época. Seus relatos, mais tarde reunidos em livros e traduzidos no Brasil, oferecem uma visão rica e detalhada das províncias do Sul e Sudeste, além do Goiás. Um desses destinos foi a cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e é justamente sobre essa parte da viagem que nos debruçamos aqui.
Viajante Cientista
Saint-Hilaire (1779–1853) não era um turista! Com o olhar treinado pela ciência, ele registrava tudo: da flora e fauna locais até os hábitos dos habitantes. Sua obra atravessa os campos da botânica, zoologia, geografia e história, sendo uma das mais valiosas fontes do Brasil oitocentista.
Em 1820, quando visitou a Província de Santa Catarina, ela se dividia em apenas três cidades principais: São Francisco (no litoral Norte), Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) e Laguna (na região Sul do estado).
A chegada a São Chico
Ao aportar em São Francisco do Sul, Saint-Hilaire foi acolhido por uma família local e logo notou a simplicidade do cotidiano. Em seu diário, descreve a hospitalidade e o estilo de vida dos caiçaras.
A pesca lhes fornece uma alimentação garantida, e se eles possuem uma casinha e uma canoa, se têm uma pequena plantação de mandioca que lhes permite comer o seu peixe com farinha, se colhem algumas libras de algodão grosseiro que deem para fazer um par de camisetas e de calças, eles não precisam praticamente de mais nada.
Essa observação mostra não apenas o conteúdo informativo de sua escrita, mas também um olhar europeu.
Arquitetura de uma cidadezinha qualquer
Apesar do tamanho modesto, a cidade chamava atenção de Auguste de Saint-Hilaire por sua organização. Segundo o viajante, São Francisco do Sul contava com cerca de oitenta casas, a maioria de pedra, caiadas e bem conservadas. Ele descreve assim:A cidade se compõe de cerca de oitenta casas (1820), caiadas e cobertas de telhas, a maior parte feita de pedra e em bom estado de conservação. [...] As ruas são largas e quase retas. Algumas, que descem na direção do mar, são calçadas; as outras só têm calçamentos na frente das casas. [...] No centro da cidade há uma grande praça de formato irregular, coberta de relva, é ali que foi construída a igreja paroquial...
Essa igreja é a Nossa Senhora das Graças, hoje um dos principais pontos turísticos da cidade.
Uma leitura de contraste que recomendo é As cidades invisíveis (1972) de Italo Calvino. Saiba mais.
A natureza pelo naturalista
Como botânico, Saint-Hilaire estava sempre atento à exuberância natural de seus destinos. Ele catalogou espécies vegetais e animais, descreveu rios, ilhas, morros e montanhas.
Um dos locais que mais chamou sua atenção foi o Morro do Pão de Açúcar, de onde fez a seguinte dscrição:
O Pão de Açúcar tinha chamado minha atenção. Desejei conhecê-lo e colher nele algumas plantas. [...] A vista que se descortina do alto do Pão de Açúcar é muito bela e extensa, apresentando um panorama de toda a região. De um lado vê-se o alto mar e do outro o canal de São Francisco, as ilhas espalhadas nele, os morros cobertos de matas que o margeiam...
Bem lá aos fundos, o Morro da Cruz, na época Pão de Açúcar |
Viagem que vira História
Os relatos de Saint-Hilaire são uma mescla entre o jornalismo informativo e a literatura de viagem. Sua linguagem é científica, mas acessível. Apesar de poucos traços subjetivos, ele transporta o leitor para o tempo-espaço.
O diário de Saint-Hilaire nos permite não apenas conhecer a natureza e os costumes da época, mas também entender a importância dos relatos de viagem como fontes históricas e literárias.
*Material adaptado do meu saudoso & frustrante 1ºano de Letras.
SAINT-HILARIE, Auguste de. Viagem a Curitiba e Província de Santa Catarina. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1978.
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