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“Dizer do sopro”, publicado em 2023, reúne textos sob a ótica míope de Beatriz Hierro Lopes, escritora e historiadora portuguesa.
A vida pelos olhos de um míope funde-se numa impressão de infinito, pela patológica incapacidade de se ver os limites do mundo. (MIOPIA II)
Há inúmeras presenças, femininas e masculinas, cada qual com sua relevância que constrói o sentido do livro, a relação da escritora com o passado, os outros e o passado dos outros.
Há anos conheci um rapaz que insistia em colocar revólveres nos poemas. (REVÓLVER)
Aqui, o mundo é apresentado de maneira mais sensível do que crítica em linhas de uma prosa que classifico como poética. Com palavras escolhidas, Hierro Lopes traz pequenas vidas e aspectos com leveza.
Era secreta como o são as mulheres mais belas. Uma segredo de si para consigo. Perguntava-me a razão das coisas, que a vida ao ser vida é no fim um emaranhado de ideias, cenários, nomes e moradas, amores e tristezas. (RETRATO A SÉPIA)
No meio de tantas figuras, como o rapaz do revólver, a escritora quebra o excesso de gentes com os textos Paloma e Frigorífico. Paloma, que é pomba em espanhol, versa sobre essas aves cosmopolitas, fazendo-nos esquecer a fama de ratos voadores. Já Frigorífico fala de geladeira como se fala de sociedade. Não há maneira mais bela de dissertar sobre um eletrodoméstico.
Nunca duvidei da natureza filosófica do meu frigorífico. Quem me conhece sabe a admiração que rendo a estes electrodomésticos, os únicos cuja existência me é querida. Sejam pobres e alvos, como o meu, ou cinematograficamente vermelhos, como os da moda. (FRIGORÍFICO)
Sou míope, mas não o foi por isso que gostei do livro. “Dizer do sopro” veio de presente pela minha irmã que vive no Porto, veio como um sopro numa ferida a arder.
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