segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Alberto Caeiro: o poeta da natureza

Alberto Caeiro, o famoso Guardador de Rebanhos, é um dos heterônimos mais icônicos de Fernando Pessoa. Caeiro nasceu para a simplicidade pura e a conexão direta com a natureza

Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos.

(Trecho da carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de Janeiro de 1935.)

Este heterônimo é apresentado como um homem que viveu no campo, sem grandes ambições ou formações acadêmicas.

Não tenho ambições nem desejos 

Ser poeta não é uma ambição minha 

É a minha maneira de estar sozinho.

(Trecho de Eu nunca guardei rebanhos)

Caeiro encarna o ideal de quem vê o mundo sem filtros ou abstrações metafísicas.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência é não pensar... 

(Trecho de O meu olhar é nítido como um girassol)

Ele surge como o poeta que se reconcilia com o universo através da observação e do sensacionismo. Sua poesia, escrita em versos livres, reflete uma linguagem objetiva, espontânea e coloquial. A vida no campo, o paganismo e o presentismo moldam sua visão de mundo, na qual o simples ato de existir é suficiente.  

A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada coisa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

(Trecho de A espantosa realidade das coisas)

Outros poemas selecionados:

Creio que irei morrer.

Creio que irei morrer.

Mas o sentido de morrer não me ocorre [?],

Lembra-me que morrer não deve ter sentido.

Isto de viver e morrer são classificações como as das plantas.

Que folhas ou que flores tem uma classificação?

Que vida tem a vida ou que morte a morte?

Tudo são termos nada se define. A única diferença é um contorno, uma paragem, uma cor que destinge, uma (...) 

...mas o Universo existe mesmo sem o Universo. 

 

Sim: existo dentro do meu corpo.

Sim: existo dentro do meu corpo.

Não trago o sol nem a lua na algibeira.

Não quero conquistar mundos porque dormi mal,

Nem almoçar a terra por causa do estômago.

Indiferente?

Não: natural da terra, que se der um salto, está em falso,

Um momento no ar que não é para nós,

E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,

Traz! na realidade que não falta! 


Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.

Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.

Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,

Que mora nela.

Mas eu, com consciência e sensações e pensamento,

Serei como uma coisa?

Que há a mais ou a menos em mim?

Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo —

Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só isso.

Que coisa a mais ou a menos é que eu sou?

O vento sopra sem saber.

A planta vive sem saber.

Eu também vivo sem saber, mas sei que vivo.

Mas saberei que vivo, ou só saberei que o sei?

Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando,

Sinto, penso, movo-me por uma força exterior a mim.

Então quem sou eu?

Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?

Ou a minha alma é a consciência que a força universal

Tem do meu corpo por dentro, ser diferente dos outros?

No meio de tudo onde estou eu?

Morto o meu corpo,

Desfeito o meu cérebro,

Em coisa abstracta, impessoal, sem forma,

Já não sente o eu que eu tenho,

Já não pensa com o meu cérebro os pensamentos que eu sinto meus,

Já não move pela minha vontade as minhas mãos que eu movo.

Cessarei assim? Não sei.

Se tiver de cessar assim, ter pena de assim cessar,

Não me tomará imortal.

Leia a obra completa de Alberto Caeiro e Fernando Pessoa no Arquivo Pessoa.

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