segunda-feira, 2 de junho de 2025

"Batismo de Sangue" e a esquerda católica no Brasil

Maria Fernanda Pissioli | Unsplash

Publicado em 1982, Batismo de Sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella, do frade Frei Betto, é um valioso registro histórico para compreendermos a silenciosa atuação da esquerda católica durante a Ditadura Militar no Brasil. A atuação deste grupo foi profundamente marcada pela compaixão cristã, um pilar de amor, mas também de ação e revolta

Longe de se manter alheia à repressão, uma parcela significativa da Igreja Católica brasileira teceu uma rede de proteção que acolheu militantes perseguidos de todo o país e, inclusive, de outros Ditaduras pela América do Sul, oferecendo-lhes refúgio e apoio em face da violência estatal.

Frei Tito

Um exemplo dessa postura é o de Frei Tito de Alencar Lima, um frade católico, que também havia sido membro da UNE (União Nacional dos Estudantes) e acabou se tornando alvo da perseguição durante o regime. Em 1969, após ser preso por encobrir Carlos Marighella, ele sofreu torturas brutais no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e na Oban (Operação Bandeirantes), incluindo choques elétricos e queimaduras, com o objetivo de forçá-lo a delatar outros companheiros.

Em 1970, Tito foi banido do Brasil pelo governo Médici e seguiu para o Chile e, posteriormente, Europa. Profundamente traumatizado pelas perseguições e torturas, ele suicidou-se em 1974, sendo encontrado morto perto de Lyon, na França.

American way

A obra também lança luz sobre um aspecto sombrio e revelador da engrenagem repressiva: a influência e o treinamento de militares brasileiros pelos norte-americanos em métodos de tortura física e psicológica. 

Essa conexão internacional explicita a disseminação de práticas cruéis e a conivência de forças externas na perpetuação da violência no Brasil.

A repressão brasileira aprendera, nos cursos ministrados pelos norte-americanos, a não alimentar escrúpulos em investigações. Todo réu é culpado até prova em contrário. Explorar as fraquezas humanas surgia como um recurso mais rápido, econômico e cruel. [...] bastava pôr de lado o respeito aos direitos humanos e adotar a tortura, a chantagem e a opressão psicológica como métodos interrogatórios. (p. 116)

A guerrilha como resistência

O compromisso com a revolução transcende individualidades, unindo frades, estudantes, artistas e todos aqueles dispostos a desafiar o poder estabelecido.

É cômodo julgar, do alto de nossas ideias tão arrumadas, impecavelmente imaculadas, a prática de quem ousou sujar as mãos quando o regime militar já não admitia forma de luta legal. (p.42)

O revolucionário é alguém intrinsecamente ligado a ideais coletivos, indivíduo que prioriza a liberdade e a justiça para além de seus interesses pessoais.

O terror do estado agia sob a complacência da justiça. Em nome da segurança nacional, um jovem brasileiro fora sequestrado e morto. Nenhuma notícia a seu respeito. Os jornais, com a boca tapada pela censura e intimidados, nada diziam a respeito. Contudo, uma pessoa não pode deixar de existir nas entranhas de sua mãe, no coração de sua esposa, no afeto de seus parentes e amigos, na admiração de seus companheiros, na memória dos que sobrevivem e alimentam-se de seu sacrifício e exemplo. Um revolucionário é um ser social, como uma árvore cujas raízes se espalham à sua volta, cravados no chão da história, e cujos frutos vão muito além de seus galhos e nutrem os esforços de libertação. (p. 132)

BETTO, Frei. Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. 1. ed. Civilização Brasileira, São Paulo, 1982.

DITADURA NUNCA MAIS!

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