segunda-feira, 9 de junho de 2025

Junot Díaz e a fantástica família dominicana

A fantástica vida breve de Oscar Wao (2007), escrito por Junot Díaz, é um romance que mistura tragédia e humor para contar uma história profundamente enraizada na experiência latino-americana. Embora o autor seja dominicano-americano, a narrativa atravessa as fronteiras do Caribe para tocar em temas universais — sobretudo o tal sonho americano.

Díaz também aborda as marcas deixadas pela ditadura de Trujillo na República Dominicana, as influências da vizinha Cuba, a violência, o machismo e a pobreza — tudo isso sem perder o tom sarcástico.

A capital Santo Domingo (Ronald Vargas | Unsplash)

A narrativa se estrutura em torno de três personagens: Oscar, sua irmã Lola e a mãe deles, Beli. Suas histórias se entrelaçam em traumas familiares, maldições ancestrais e conflitos sociais. 

Oscar Wao é  um jovem nerd, obcecado por ficção científica, RPGs e sua tão sonhada "primeira vez". Mas seu maior desejo vai além disso — ele sonha em escrever um romance épico de ficção científica, com alienígenas, mundos distantes e todas as referências geek possíveis. No entanto, sua vida é marcada por um sentimento de deslocamento e fracasso, tanto social quanto emocional.

Sobrevivendo ao fukú

Um dos elementos centrais do livro é o fukú, uma espécie de maldição que persegue famílias dominicanas ao longo das gerações. O fukú é a má sorte, é o destino amaldiçoado que parece perdurar. 

Essa maldição ancestral que assombra a família de Oscar por gerações. O fukú representa não apenas uma superstição caribenha, mas também uma poderosa metáfora para os traumas históricos e sociais vividos pelos imigrantes latino-americanos.
Contam que veio da África, trazido pelos gritos dos escravizados; que se tratou de praga rogada pelo povo taino, enquanto um mundo perecia, outro nascia; que foi um demônio deslanchado na Criação quando do arrombamento do portão de tormentas nas Antilhas. Fukú americanus, vulgarmente conhecido como fukú. [...] 
Seja lá de onde viesse e como fosse chamado, comenta-se que a chegada dos europeus à Hispaniola desencadeou o fukú no mundo e, desde então, estamos na merda. Pode ser que Santo Domingo tenha sido a porta de entrada, o Quilômetro Zero da praga, mas, agora, cientes ou não, somos todos sua cria.

Resiliência feminina, resiliência latino-americana

A mulher dominicana (Jean Carlos Taravine Smith | Unsplash)

As mulheres do romance, especialmente a matriarca Beli, são retratadas com uma força admirável diante de qualquer maldição. São personagens complexas, resilientes, que carregam nas costas não só a própria dor, mas também o peso das gerações. Mesmo diante de inúmeras perdas, elas insistem em sobreviver — e mais do que isso, em resistir.
No avião, havia outros dominicanos da Primeira Leva. Vários cursos d'água tentando se tornar rios. Ali estava Beli, mais próxima do que nunca da mãe que precisávamos que fosse, se quiséssemos que Oscar e Lola nascessem. 

Tinha 16 anos; a pele de um tom escuro quase negro, como o jambo da última luz do dia; os seios, ocasos aprisionados sobre a tez - apesar da beleza e do frescor, trazia uma expressão amarga e desconfiada que só se dissipava com imenso prazer. Seus sonhos eram dispersos, sem o ímpeto de uma missão, e sua ambição não tinha lastro. Sua maior esperança? Encontraria um homem. O que ela ainda desconhecia: o frio, o trabalho árduo e opressivo das factorías, a solidão da Diáspora, o fato de nunca voltaria a viver em Santo Domingo, o próprio coração. 

Junot Díaz costura histórias dentro de histórias, as linhas deste romance são carregadas de referências culturais, humor ácido e comentários políticos. O autor nos revela uma República Dominicana marcada tanto pela tragédia quanto pela música, pelo sangue e pela salsa.

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