segunda-feira, 21 de julho de 2025

Primavera Negra, a estação mais vazia de Henry Miller

Neste vômito nasci, e neste vômito morrerei.

Para os amantes da literatura modernista e da prosa experimental, Henry Miller oferece sempre uma experiência visceral, onde a beleza poética encontra uma luz no fim do túnel do esgoto. Em Primavera Negra, livro publicado em 1936, essa literatura não é diferente.
Agora eu nunca estou sozinho. Na pior das hipóteses estou com Deus! 
Alexander Zvir | Unsplash

segunda-feira, 14 de julho de 2025

A cor triste de Tsukuru Tazaki ou notas de Murakami

Este texto é sobre um livro triste. Ou seria apenas sobre a vida? Falo aqui de uma tristeza moldada por silêncios, abandonos e pela forma como aprendemos a perceber a dor. 

O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (2014), do escritor japonês Haruki Murakami é obra que não fala apenas sobre perda, mas sobre o que significa ser deixado para trás e ainda assim continuar existindo.

Nas mais de trezentas páginas, Tsukuru, o protagonista melancólico, caminha de mãos dadas com a solidão. O ponto de partida é um abandono marcante na juventude, não de família, mas de amigos. Em um momento de transição da adolescência para a vida adulta, Tsukuru é expulso, sem explicações, do círculo de quatro amigos que pareciam inseparáveis. Esse grupo tinha cor (Vermelho, Azul, Preta e Branca) enquanto ele era o incolor

Lex Sirikiat | Unsplash

segunda-feira, 7 de julho de 2025

A tristeza da imortalidade no conto "Centauro" de José Saramago

A figura do centauro nos remete à força, mas na lenda de Quíron, esta criatura mitológica apresenta uma faceta sombria. Ferido por uma flecha envenenada, a natureza o condenou a um sofrimento eterno. Quíron jamais morreria.

Biblioteca Pública de Boston | Unsplash

A solidão dos dias eternos em Centauro de José Saramago

No conto Centauro, José Saramago parece dialogar com essa angústia da eternidade de Quíron. Longe do heroísmo atribuído a outros centauros, o protagonista carrega o peso de uma fadiga de séculos e milênios, uma exaustão que vai além do físico e atinge a sua essência e sua existência híbrida.

O tempo foi passando. Por fim, já não lhe sobrava terra para viver com segurança. Passou a dormir durante o dia e  caminhar de noite. Caminhar e dormir. Dormir e Caminhar. Sem nenhuma razão que conhecesse, apenas porque tinha patas e sono. Comer não precisava. E o sono era necessário para que pudesse sonhar. E a água, apenas porque era a água.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

A memória coletiva em O livro do riso e do esquecimento (Kundera)

Já sentiu como a tua história pessoal dança, às vezes de forma surpreendente e dolorosa, com os grandes eventos da história coletiva? Em O livro do riso e do esquecimento, publicado originalmente em 1978, Milan Kundera nos convida a ver a vida particular em sete narrativas interligadas.

Essas histórias revelam personagens moldados pela história do século XX, com foco na Tchecoslováquia sob o regime comunista. Exilado na França, Kundera usa a narrativa como um espelho crítico de sua terra natal.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Farmácia Literária: a cura pelo livro

Libreria Acqua Alta em Veneza
 Você já pensou em livros como remédios? Em vez de comprimidos, páginas. Em vez de efeitos colaterais, reflexões. Essa é a proposta do livro Farmácia Literária (2016), escrito por Susan Elderkin e Ella Berthoud, que apresenta uma abordagem muito curiosa e terapêutica: a biblioterapia.

A biblioterapia é a prática de usar a literatura como ferramenta de cura emocional e autoconhecimento. 

Combinando elementos da psicologia com o poder transformador da arte literária, Farmácia Literária se torna um verdadeiro guia de prescrição de livros — uma espécie de manual para a alma em tempos de crise, dúvida, tristeza ou alegria.

Neste livro, cada sintoma vem acompanhado de uma sugestão literária cuidadosamente escolhida. Está com o coração partido? Sofrendo de ansiedade? Sentindo-se perdido ou precisando de inspiração? Há um livro certo para cada estado de espírito! São mais de 400 opções de livros para cada tipo de sentimento.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Lições de "Cidadela" - Antoine de Saint-Exupéry

 Cidadela é, para mim, um dos livros mais sensíveis de Antoine de Saint-Exupéry, escritor francês mundialmente famoso pelo O Pequeno Príncipe.

São mais de seiscentas páginas de um ensaio narrado em primeira pessoa: reflexivo, filosófico, poético - mesmo em estrutura de prosa. A literatura saint-exupéryana - termo que sequer pesquisei se existe na Teoria Literária - é composta de sensibilidade.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Junot Díaz e a fantástica família dominicana

A fantástica vida breve de Oscar Wao (2007), escrito por Junot Díaz, é um romance que mistura tragédia e humor para contar uma história profundamente enraizada na experiência latino-americana. Embora o autor seja dominicano-americano, a narrativa atravessa as fronteiras do Caribe para tocar em temas universais — sobretudo o tal sonho americano.

Díaz também aborda as marcas deixadas pela ditadura de Trujillo na República Dominicana, as influências da vizinha Cuba, a violência, o machismo e a pobreza — tudo isso sem perder o tom sarcástico.

A capital Santo Domingo (Ronald Vargas | Unsplash)

segunda-feira, 2 de junho de 2025

"Batismo de Sangue" e a esquerda católica no Brasil

Maria Fernanda Pissioli | Unsplash

Publicado em 1982, Batismo de Sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella, do frade Frei Betto, é um valioso registro histórico para compreendermos a silenciosa atuação da esquerda católica durante a Ditadura Militar no Brasil. A atuação deste grupo foi profundamente marcada pela compaixão cristã, um pilar de amor, mas também de ação e revolta

Longe de se manter alheia à repressão, uma parcela significativa da Igreja Católica brasileira teceu uma rede de proteção que acolheu militantes perseguidos de todo o país e, inclusive, de outros Ditaduras pela América do Sul, oferecendo-lhes refúgio e apoio em face da violência estatal.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Thoreau: Maçãs silvestres e cores de outono

Desde os primórdios da literatura a natureza tem servido de inspiração para os escritores (nature writing), sendo cenário de devaneios e sentimentos dos mais ternos aos mais raivosos à luz de revoluções políticas e industriais.

Em Thoreau, sobretudo, podemos navegar entre ensaios políticos, acadêmicos, relatos de uma vida autossustentável e, como no caso de Maçãs silvestres e cores de outono, sobre macieiras e a beleza outonal. É momento de pausa, como férias da mente para aproveitar e discorrer sobre a simplicidade da vida.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Para cortar as amarras: Atira para o mar (Renata Pallottini)

 Quando decidimos ir, não há quem mude nossa ideia. E não há nada mais bonito que ir, respeitando a liberdade, respeitando a si mesmo - talvez o maior ato de amor e amor-próprio que podemos fazer.

Um poema sobre liberdade que mexe comigo há mais tempo do que posso lembrar é o Atira para o mar de Renata Pallottini, escritora brasileira que se destacou, sobretudo, na dramaturgia nacional. 

Dá uma lida abaixo e diz pra mim o que tu sente ao ler:

Atira para o mar as tuas coisas

abandona os teus pais

muda de nome


esquece a pátria

parte sem bagagem

fica mudo e ensurdece

abre os teus olhos.


Se o teu amor não vale tudo isso

então fica onde estás

gelado e quieto.


O amor só sabe ir de mãos vazias

e só vale se for

o único projeto.